A Alegoria social em “Animals” do PINK FLOYD
Parte 1
Lançado em 1977, após o sucesso de “Dark Side of the Moon”
e “Wish You Were Here” (1975), o álbum “Animals” da banda
inglesa PINK FLOYD atraiu o interesse como uma obra conceitual,
com um universo fechado e alegórico, que desafiava as interpretações,
ao analisar os grupos humanos sob um olhar, digamos, “zoomórfico”.
A idéia não era nova. Trata-s de uma leitura de Roger Waters da
conhecida alegoria de “Animal Farm” (1945) (no Brasil: “A
Revolução dos Bichos”), do inglês Eric Blair, mais conhecido por
seu pseudônimo de George Orwell (autor também do angustiante
“1984”, onde figura o vilão onipresente onisciente Big Brother,
o Grande Irmão).
Ou seja, temos aqui a posição de Waters em relação ao anarquista
Orwell. Não apenas jornalista e escritor, mas também um homem
do front, Orwell conhecia bem os horrores dos regimes ditatoriais
que prometiam a felicidade e a prosperidade. Renegou o comunismo
ao estilo “bolchevique” e preocupou-se em mostrar ao mundo os
horrores do totalitarismo.
Não trataremos da alegoria “Animal Farm”, somente mencionaremos
alguns pontos importantes desta obra, com forte influência de La
Fontaine (mas sem o caráter moralista), onde os animais resolvem
fazer uma “revolução” e expulsar os homens de uma fazenda.
Os próprios animais resolvem “gerenciar” a fazenda, cuidando de
todas as atividades. Lá estão os vários tipos de animais, os trabalhadores,
os resignados, os hipócritas, os vaidosos, os oportunistas, os individua-
listas, os desconfiados, os crédulos – todos sob uma divisa: “O Homem
é o nosso verdadeiro e único inimigo”. Mas se esquecem dos porcos.
Em “Animal Farm” temos a alegoria que apresenta o fracasso da
União Soviética. Aqueles que fizeram a Revolução são logo
escravizados pelos que a administram – no caso, os porcos, os
‘burocratas’. Que começam dizendo que “todos os animais são
iguais”, mas depois – depois de lutas entre os próprios porcos –
dizem que “alguns animais são mais iguais do que outros” e ao final
os porcos acabam ocupando a mesma posição dominadora dos
homens (no caso da URSS, os burocratas dão origem a um
“capitalismo de Estado”, mais severo que o “capitalismo liberal”.)
O que Waters aproveita da alegoria de Orwell? O sistema
representativo – animal-caráter. No livro, os cavalos são trabalhadores,
os gatos oportunistas, os cães uns mercenários, as galinhas as
amedrontadas, o burro o resignado, as ovelhas as obedientes, o corvo
o religioso, e os porcos os egoístas. Pois Orwell quer apresentar a
diversidade humana num regime político e como os governantes
‘jogam’ para dominar e manipular cada parte, no sentido de se
legitimar no poder.
A vida social é isso – um jogo do poder. Quem sabe jogar terá
maiores oportunidades, e não hesitará em manobrar pessoas
apenas para subir na escala de cargos e alcançar status político.
Assim, o que Waters faz é comparar o mundo como um todo –
ultrapassando o esquema do “totalitarismo”, ou melhor, dizendo
que podemos estar vivendo num “totalitarismo mais sutil”. E
Waters sabe do que está falando.
Sendo tanto psicológico quanto sociológico, “Animals” acaba
desvendando muitas nuances da “psicologia social”, o ‘modo
operandis’ da sociedade – quem manda e quem obedece. Como
as coisas funcionam ns esferas do Poder? É isso que Waters analisa
artisticamente aqui. A Inglaterra é um microcosmo para Orwell
(tanto em “Animal Farm”, quanto em “1984”, com o “socialismo
inglês”) e cenário de jogo para Waters. Um jogo onde os homens
adquirem feições animalescas, tornam-se figuras dignas de um
zoológico.
Waters classifica como porcos, “Pigs”, aqueles que se mostram
oportunistas, os que são corruptos, os que egoisticamente se agarram
ao poder, gorduchos de subornos e saciados de desmandos. Nesse
enredo, os ‘porcos’podem ser os políticos, os burocratas, os que se
vendem para continuar no poder. No poder e rindo do poder. Não
percebem que a ausência de “pensamento coletivo” causa a miséria
e o ciclo da corrupção. E se percebem atuam coniventes, hipócrita-
mente defendendo causas populares, mas aceitando propinas que
somente as câmeras conseguem flagrar.
What dou you hope to find.
When you’re down in the pig mine.
You’re nearly a laugh.
But you’re really a cry.
(O que você espera encontrar?
Quando você está afundado no chiqueiro.
Você está quase rindo,
Mas você realmente vai é chorar.)
O tema do “homem que se vende” já fizera sucesso com “Money”
(do álbum “Dark Side”), “Money it’s a crime”, diz a canção, com uma
fina ironia inglesa. O dinheiro, todos sabem, guia o mundo. Poderia
ser diferente? As pessoas se esforçariam sem lucros? Trabalhariam
por causas coletivas? Até hoje não sabemos responder. O ser humano
é por demais complexo. Temos exemplos de egocentrismo, lado a lado
com exemplos de altruísmo.
Parte 2
Contudo, os “Porcos” não mandam sozinhos. Os porcos precisam
dominar os “inferiores”, sejam os mercenários, sem as massas
populares. Waters trata os primeiros como “cães”, “dogs” e os
segundos como “ovelhas”, “sheeps”. E, tal como no livro do Orwell,
são manipulados e seduzidos o tempo todo. Os Porcos podem até
descobrir que só tem a chorar, mas não podem deixar que os Cães
e as Ovelhas desconfiem. Os governantes sempre cuidam bem da
propaganda. Seja a Casa Branca, seja a Tatcher (especialmente
ironizada em “The Final Cut”), os Porcos estão no poder e lá
querem ficar.
Assim, os Cães são essenciais ao exercício do poder. São eles os
negociantes, os soldados, os capangas, os mercenários, os agentes
penitenciários, os assalariados com privilégios, os que servem e
são depois dispensados. Trabalham para um sistema de repressão,
onde são mero instrumento de domínio. Não se percebem de
mesma natureza que as Ovelhas, pois são cercados de privilégios
e ensinados a verem as Ovelhas como ‘seres inferiores’. É assim
que os Porcos usam os cães para apaziguarem as Ovelhas.
You have to be trusted by the people that you lie to
So that when they turn their backs on you
You’ll get the chance to put the knife in.
(Você mostra confiança às pessoas para as quais você mente
Assim que elas viram as costas pra você
Você terá a chance de apunhalar todas.)
Os Cães usam de malícia e se julgam protegidos, trabalham por
dinheiro, sem ilusões. Servem aos Porcos, e se mantém afastados
(e mantém afastadas!) as Ovelhas, os cidadãos comuns. Mas os
Cães se esquecem que também envelhecem, ficam fracos e fracassados.
E será “apenas outro triste homem velho / Tão sozinho e morrendo de câncer”,
depois de ter passado toda a sua vida servindo aos Porcos. Às vezes,
um sentimento de impotência, de angústia, “às vezes me parece como se
eu estivesse sendo usado”, então os Cães dão de ombro ao dizerem que
todos são igualmente usados e culpados, “E você crê de coração que todos
são assassinos”.
Apaziguando as Ovelhas, os Cães são a face visível do Poder, as
forças de segurança, os funcionários públicos, os diplomatas, os que
são obrigados a ‘sujarem as mãos’, enquanto os Porcos se especializam
em criar leis e darem ordens. No final, os Cães sofrem com o peso da
pedra que julgavam destinar às ovelhas, mas acabam “esmagados pela pedra”.
(continua)
por Leonardo de Magalhaens
nov/07